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Entrevista – Prof. Moacyr Corsi

A síntese desta entrevista, realizada em junho/2010 foi publicada na Revista JC Maschietto no 08, setembro/2010.

Impossível falar de pecuária e pastagem no Brasil sem mencionar o nome de Moacyr Corsi. Uma das maiores autoridades no assunto no país, o engenheiro agrônomo e professor titular do Departamento de Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz (ESALQ) é palestrante requisitado para platéias concorridas pelo Brasil afora.

Criado em uma propriedade rural na região de Socorro, interior de São Paulo, ainda menino traçou seu destino: queria estudar alguma coisa relacionada ao campo. Fez graduação na ESALQ e mestrado pela Ohio State University, doutorado pela ESALQ/USP e PhD pela Ohio State University. Possui  Pós Doutorado, em West Virginia University e trabalhou como professor convidado na Massey University,NZ.

Atualmente é Professor Titular do Departamento de Zootecnia da ESALQ. É hoje um pequeno-grande produtor (pequeno no porte, grande nos resultados) e um estudioso incansável que dispensa férias para se dedicar às pesquisas. Na ESALQ, foi um dos principais responsáveis pela criação de dois importantes centros de estágio que aliam a parte teórica à prática com uma consistente roupagem administrativa, que visa formar profissionais com uma bagagem que extrapola o universo puramente acadêmico: o Centro de Práticas Zootécnicas – CPZ - e o CAPIM, Caracterização e Avaliação de Pastagens e Manejo Intensivo.

Numa tarde de junho, Corsi, 66 anos, recebeu a nossa repórter para contar um pouco de sua trajetória e expor algumas opiniões. A íntegra da entrevista está transcrita a seguir.

Revista JCM - Quem é Moacyr Corsi?

Corsi - Nasci numa propriedade agrícola, tive uma infância maravilhosa, apoio incondicional dos meus pais.

Revista JCM – Propriedade agrícola aonde?

Corsi - Em Socorro, SP.

Revista JCM – Que tipo de propriedade?

Corsi - Ela tinha atividade de pecuária e agricultura, principalmente café.

Revista JCM – Era da sua família, dos seus pais?

Corsi - Dos meus pais. Quando eu fazia ainda o colégio, tinha uma professora de matemática muito dedicada. Eu era muito bom em matemática e ela queria convencer minha família de que eu deveria cursar o ITA, dizia que eu era preparado para isso. Mas, sempre que ela me perguntava, eu respondia: ”quero fazer alguma coisa que mexa com fazenda”; sem saber que nós tínhamos veterinária, economia; na época não existia  zootecnia. Ela continuava insistindo com minha família durante os semestres, tentando convencer  minha mãe de que eu deveria tirar essa idéia da cabeça e ir para o ITA. Quando chegou no último ano, do então colegial, vendo que ela não me convenceria, , ela sugeriu :”você deve ir  para Piracicaba“. Tive a felicidade de chegar em Piracicaba quando um trator estava roçando o parque principal da ESCOLA  achei aquilo maravilhoso, me impressionou muito e decidi:  vou entrar nessa escola de qualquer maneira, vou estudar aqui.

Tive a felicidade de entrar na escola e me dediquei bastante.  Estudei  com muito empenho pensando em ser um profissional liberal, um empresário na área de pecuária. Fiz estágio na ESCOLA desde o segundo ano e, no final, fui convidado pelo professor titular do departamento para ficar na ESCOLA. Recebi convite de dois professores porque a zootecnia era dividida em dois Departamentos naquela época.

Revista JCM – O senhor disse que a zootecnia era dividida em duas?

Corsi - Sim, departamento de ruminantes e departamento de não ruminantes. Eu recebi o primeiro convite do departamento de não ruminantes, pelo professor Antonio Prates Trivelin, e, mais adiante, pelo outro catedrático do departamento de zootecnia, que era o professor Aristeu Mendes Peixoto (felizmente ele está vivo até hoje). No inicio não estava certo se queria ser docente e pesquisador. Porque mantinha aquele sonho de realizar a minha atividade como profissional liberal. Em resposta comuniquei que havia um concurso na Secretaria da Agricultura de São Paulo para preencher vagas para agrônomos nas “Casas de Agriculturas”de diversos municípios. Esse me interessava muito e me parecia como boa oportunidade. O Prof. Aristeu me sugeriu que não participasse do concurso me dizendo: “você não deve prestar esse concurso na Secretaria porque você vai passar e vai ter dificuldade em decidir sobre a ESCOLA e a Secretaria de Agricultura”. Prestar o concurso era um desafio e quando o Dr Aristeu me sugeriu para desistir despertou ainda mais o espírito do desafio. Pensei comigo: “vou prestar esse concurso”. Fiz os exames e fiquei muito bem colocado. Escolhi  trabalhar na minha cidade; seria o agrônomo na minha cidade. E isso seria o maior orgulho para  meu pai. Falei para ele que  tinha passado no concurso e que seria o agrônomo da nossa  cidade. A profissão de agrônomo naquela época era semelhante a uma posição de delegado, juiz; era muito conceituada. E ele, com muito orgulho, comentava com  seus amigos o destaque que ocuparia na “Casa da Agricultura”da cidade. Fui á Piracicaba para informar ao Dr. Aristeu que  tinha passado no tal concurso e que  tinha vontade de assumir a responsabilidade de ser o agrônomo da minha cidade. Depois de considerar alguns aspectos da minha vida futura o Dr. Aristeu me fez uma proposta que, novamente, despertou o espírito do desafio. Ele me disse: “Moacyr, se você optar pela  ESCOLA teremos condições  para que  possa cursar mestrado nos Estados Unidos”.

Perguntei: “mas de quem depende essa decisão de me mandar para lá? Ele falou: “não depende de mim, não depende de ninguém, depende de você”. “Depende de mim como?”. “Se você passar no exame de inglês, você vai”. Eu perguntei: “tem alguém que já passou?”. Ele falou: “tem; tem vários colegas seus que já foram pra lá”. “Então tá bom”, respondi – “eu vou aceitar o desafio e vou ficar aqui”. Fiquei na ESALQ e isso mudou bastante a minha vida. Aprendi a admirar, ainda mais o outro lado da ciência que é a pesquisa, a docência, e comecei a me dedicar bastante a essas duas faces da agricultura e da pecuária.

Revista JCM – O que lhe encantou no fato de ele lhe mandar para os Estados Unidos? 

Corsi - Foram duas coisas principais: uma era o desafio e outra que o estudo nos Estados Unidos era uma coisa inovadora, teria oportunidade de conhecer outra cultura, enriqueceria outros campos do conhecimento, poderia  me aprofundar em algumas áreas que  já estava estudando. Durante cerca de três anos já estava fazendo estágio no Departamento de Zootecnia na área de pastagens.  O mais interessante é que no dia da minha viagem meu pai me perguntou: “mas pasto é muito fácil; todo mundo faz pasto”. Porque você vai precisar aprender lá fora isso?” E a minha resposta foi: “olha pai, se tem alguém estudando isso é porque deve ser alguma coisa mais complexa do que a gente entende”.
Revista JCM – A propriedade dos seus pais onde o senhor nasceu de que tipo era? Que tamanho?

Corsi - Era uma propriedade pequena, familiar.

Revista JCM – Quantas cabeças de gado?

 Corsi - Ela era composta de cerca de 110 ou 120 cabeças no total e meu pai arrendava algumas áreas fora da  propriedade e uma das minhas responsabilidades era avaliar e controlar a atividade  pecuária do meu pai. Controlava o estoque, distribuía o sal, auxiliava na movimentação dos animais de uma propriedade para outra, e assim por diante. Certamente essa participação e envolvimento na atividade pecuária desde a infância contribuiu para despertar e sedimentar esse interesse e vontade de entender mais do sistema de produção de pecuária.

Revista JCM – E quantas cabeças?

 Corsi - Eu calculo que devia ter naquela época umas 150 cabeças.

Revista JCM – E pés de café?

 Corsi - Tinha ao redor de uns sessenta mil pés.

Revista JCM – Então, o senhor foi para os Estados Unidos...

Corsi - Fiz mestrado em Ohio.

Revista JCM – Solteiro ainda?

Corsi - Solteiro. Já noivo.  Voltei e, o início da minha vida profissional na ESCOLA, foi marcado por decisões que colaboraram para o Departamento atuar como agente de desenvolvimento da pecuária nacional. Começou com uma conversa de fim do dia com o Prof. Vidal Pedroso de Faria. Nessa época dividíamos a mesma sala. Esse fato, além do convívio diário, de afinidades de ideias e ideais nos tornamos irmãos de profissão. Ao fim de cada dia o Vidal me convidava para encerrar o trabalho e, freqüentemente,  dizia “ vou ficar mais um pouco”. Depois de algum tempo ele me perguntou o que eu ficava fazendo depois “da hora”. Disse que saia para andar á cavalo na ESCOLA.”Mas, professor não pode andar a cavalo ele me disse. Após uns dias estávamos andando juntos a cavalo na ESCOLA. Em uma dessas andanças de fim de tarde disse que estava questionando minha decisão de ficar no Departamento. Estava considerando o fato “de ir embora de sair”. Ele falou: “não é possível! A escola te dá oportunidade, é um lugar muito bom, ambiente excelente para se trabalhar. Por que você vai embora?.”. “Porque os índices zootécnicos do departamento são muito semelhantes ao que meu pai tem. Então, se tenho expectativa de ensinar alguém, isso tem que ser mudado, nós temos que conseguir índices de produtividade muito melhor do que os de meu pai.” Aí ele falou:”o que está faltando?” “Eu acho que falta a gente se empenhar nisso, fazer isso aqui produzir, e se não conseguirmos mostrar na fazenda o que ensinamos nas aulas, não terá sentido continuar .” Nessa ocasião o departamento tinha só gado de leite. Os índices zootécnicos seriam: produção por vaca, número de vacas por hectare, mortalidade de bezerros, a produtividade de leite por hectare, % de vacas em lactação,etc.

Revista JCM – E esse gado que o departamento tinha era para pesquisa?

 Corsi - Era para pesquisa e para produção. Parte significativa dos recursos do Departamento era proveniente de produção própria. Aliás, isso foi criado, ou melhor dizendo, foi desenvolvido por iniciativa desse grupo que começou a trabalhar sob a orientação do professor Aristeu.

Continuando: Depois dessa conversa fomos ao  professor Aristeu para expor nosso conflito de ideais: “ficar no Departamento mas torná-lo  exemplo de exploração intensiva de pecuária” Nesse dia tivemos o apoio incondicional para trabalhar, uma espécie de “carta branca” e já saindo da sala do “chefe” disse: “então está bom; nós vamos começar a trabalhar sob essa nova orientação”. Com a pressa e sem perder a calma , uma das características do Dr. Aristeu ele emendou: “mas é sem dinheiro Moacyr”. Eu falei: “professor Aristeu, não vai mudar nada: a vida inteira eu trabalhei sem dinheiro mesmo...”. Isso provocou maior estímulo para enfrentar a nova situação porque normalmente considera-se que na atividade  pecuária existe necessidade de dinheiro para se   fazer alguma coisa.  Sempre defendo a tese de que não é isso, é uma questão de atitude. A pessoa tem que mudar a atitude. Deixar de procurar justificativas para não fazer, para não resolver os problemas. Deve cultivar atitudes otimistas de estabelecer e atingir metas, de procurar soluções, oportunidades e saber como gerenciar os recursos disponíveis da propriedade. Começamos a trabalhar no departamento com essa ótica. O doutor Aristeu deu todo o apoio e foi a pessoa que garantiu o sucesso dessa proposta. Essa iniciativa de  trabalho provocou uma revolução no departamento, que passou a gerar recursos que contribuíram para auto-suficiência. O fato de o Departamento produzir observando os conceitos técnicos e econômico de sistemas de produção contribuiu para ganharmos o reconhecimento da comunidade envolvida na pecuária. Esse espírito de trabalho e dedicação transferiu aos professores, aos funcionários e aos alunos a responsabilidade de entender o processo como um todo, não só o processo acadêmico, teórico, mas o processo de produção. Em decorrência desses fatos obtivemos o reconhecimento pela comunidade do esforço feito no departamento para torná-lo produtivo e com uma nova roupagem não só prática, teórica, mas uma roupagem também administrativa e de operacionalidade do sistema de produção.

Revista JCM – A parte administrativa era o que mais faltava?

Corsi - Acredito que o que faltava muito mais era empenho mesmo de fazer com as coisas ocorressem, de ter uma meta, um objetivo, fazer com que aquilo fosse o desejo de realização e foi isso  o que aconteceu depois do início desse trabalho.

Revista JCM – Ele já era auto-sustentável ou não?

Corsi - Não. A produtividade era baixa. Por exemplo, nós vendemos animais no leilão todo ano e os preços eram muito baixos, porque os animais não eram muito bem tratados. E hoje o processo se inverteu. Agora, nos leilão vendemos animais com preços mais altos do que o mercado pelo reconhecimento da seriedade do trabalho. Tudo isso contribuiu para alterar o modo de trabalho do departamento. Dediquei-me, também, bastante à docência, pesquisa e extensão. Na parte de docência coordenei um grupo de estagiários, que se denomina Centro de Práticas Zootécnicas - CPZ. Esse CPZ foi motivado principalmente pelo fato de acharmos que o conhecimento que estava sendo gerado no banco universitário não era transferido para o produtor principalmente por causa da qualidade do técnico. Essa suposição nos incentivou a criar esse grupo de estagio. De fato hoje as pessoas que fizeram o CPZ ocupam posições de destaque na zootecnia. Aliás alguns deles se tornaram docentes no Departamento Esse estágio até hoje é atuante e, mais recentemente – há questão de dez anos atrás – formamos  outro grupo de estágio que é o CAPIM (Caracterização e Avaliação de Pastagens e Manejo Intensivo), composto por alunos com perfil semelhante ao CPZ, ou seja, de “aprender fazendo”as atividades de rotina da fazenda. Isso lhes confere autoconfiança, aprendem a trabalhar em equipe, tem oportunidade de conciliar teoria com a prática, realizam trabalhos com responsabilidade alem de serem orientados para fazer pesquisas. Quando são responsáveis por pesquisas, freqüentemente, esses alunos, têm bolsas de orientação científica.

Revista JCM – Para fazer parte desses dois grupos de estágios a pessoa tem que já ser formada ou ela faz o estágio durante o processo de graduação?

 Corsi - Inicialmente, para começar o estágio, os alunos tinham que ter feito zootecnia. A zootecnia era lecionada no último ano da escola. Comentando com o Dr. Aristeu sobre esse fato disse que se recebêssemos somente os alunos que fizeram zootecnia para estagiarem no Departamento que teríamos pouco tempo para orientá-los porque”quando esses alunos estivessem no ponto de entender o processo de produção,de colaborar e de se dedicar com  familiaridade ás tarefas eles estariam se formando e saído do estagio” . Ele falou: “não, mas não tem condição de fazer um estágio sem ter conhecimento da disciplina”.Esse argumento foi aceito e iniciamos o CPZ com três estagiários. Mais tarde o Dr. Aristeu se convenceu de que nós precisávamos iniciar os alunos no estagio quando eles se interessassem por essa formação profissional. Assim, se o aluno tivesse vontade de fazer esse estágio a oportunidade seria dada aos interessados independentemente do ano que estivessem cursando a ESCOLA. Hoje temos alunos que inicia o estágio no primeiro ou segundo ano do curso de agronomia na ESALQ. Alguns dedicam de três a quatro anos ao estagio.

Revista JCM – De qualquer forma é sempre durante a graduação?

Corsi - Sim, durante a graduação. Existem casos de pessoas que  se formaram em outra instituição de ensino e decidiram complementar sua formação profissional através desse estágio na ESCOLA. Lembro-me de uma pessoa, especificamente, que fez essa opção. Atualmente esse profissional está trabalhando como docente na Universidade de Lincoln na  Nova Zelândia.

Revista JCM – E o CPZ foi criado quando? Há quanto tempo mais ou menos?

Corsi - Começo da década de 70.

Revista JCM – E o CAPIM?

Corsi - Começo da década de 2000.

Revista JCM – E esses dois grupos de estágios foram criados pelo senhor ou junto com outros professores?

Corsi – Na criação do CPZ o prof. Vidal teve participação fundamental e sem o apoio do Dr. Aristeu seria impossível termos sucesso. A criação do grupo de estagio denominado CAPIM a iniciativa foi de um grupo de alunos de pós-graduação, meus orientados, que participavam de um projeto temático relacionado ao manejo intensivo de pastagens irrigadas.

Revista JCM – Dizem que o senhor se dedica muito ao estudo, não tira férias, não viaja, a sua vida é dedicada ao estudo. É assim mesmo?

Corsi - Eu acho que na verdade isso não é nenhum mérito...

Revista JCM – Mas é verdade?

Corsi - É verdade. Mas tenho  explicação para isso:  gosto muito do que  faço. Então, acho que essa dedicação não é um mérito. Tenho prazer em desenvolver trabalho intenso, dedicado, centrado em estudos, em informações.  Tenho preocupação muito grande em analisar informações e isso vem, na verdade, de  exemplo de família. O meu pai sempre foi adepto a tecnologia e presenciei, muitas vezes, ele  ser enganado pela suposta tecnologia. Lembro-me de algumas passagens como alguém vendendo a ele  ovos de uma formiga que iria controlar a saúva quando o problema dessa praga era seriíssimo no Brasil.  Recordo-me até de ter feito uma “casa” para colocar esses ovos  eclodirem. A expectativa era de que essas “novas” formigas eliminassem as saúvas, mas esses ovos nunca eclodiram. A frustração, desse e outros episódios, me ensinavam a lição de que para usar tecnologia era preciso ter e analisar informações e raramente acreditar sem compreender os conceitos das informações.  Esses fatos foram incentivos decisivos para me dedicar aos estudos, á coleta de informações e suas análises. Passei a ter muita vontade  de entender melhor os conceitos para ser mais capaz de analisar informações. Aliás essa preocupação de analisar informações e ter cuidado em aceitar o que está impresso faz parte dos ensinamentos aos meus estagiários e alunos. Acredito que isso seja imprescindível para a formação profissional e de cidadania desses acadêmicos.  Evidentemente para se fazer análise de informações é preciso ter muitas informações e/ou conceitos bem estruturados sobre o assunto.  Há necessidade de se criar massa crítica de informações para analisá-las. Coletar informações exige que se estude bastante, que se leia muito, que haja dedicação, que a pessoa interessada fique ligada o tempo todo no sistema de produção. Todo esse esforço não é exaustivo se você faz o que gosta e por isso não pode ser encarado como mérito. Freqüentemente digo que  nunca trabalhei na minha vida. Sempre fiz o que gosto e faço isso muito intensamente. Felizmente não me sinto cansado ou estressado e nem tenho necessidade de  tirar férias. Se eu faço o que gosto, estou de férias todos os dias.

Revista JCM – Não precisa de férias?

Corsi - Não preciso de férias.

Revista JCM – Mas sua esposa entende isso?

Corsi - Eu fui muito feliz nisso. Aliás, tenho certeza que não seria bem sucedido e nunca teria a felicidade interna que tenho se não tivesse a esposa e os filhos que  tenho.

Revista JCM – Quantos filhos o senhor tem?

Corsi  - Dois filhos. Um casal. Devo á eles muito pelo fato deles nunca me cobrarem nada. Sempre trabalhei intensamente e nunca fui cobrado nem pela esposa e nem pelos filhos. É claro que existe nesse relacionamento um dia em que eles falam: “puxa, mas de novo?” Ou então, “hoje outra vez?” Mas essas cobranças são tão esporádicas que considero uma brincadeira. Felizmente fui muito compreendido. Isso me dá força e convicção de continuar dessa maneira.

Revista JCM – Quando foi a última vez que o senhor tirou férias?

Corsi - Não me lembro dessas férias. Eu me lembro quando comecei a nunca ter férias.

Revista JCM – Quando foi?

Corsi - Eu estava fazendo mestrado nos Estados Unidos e terminou uma aula que por sinal era de forragicultura e o professor mandou que lêssemos para a aula seguinte o capítulo ‘tal’. Eu estava há pouco  nos Estados Unidos. Comecei estudar às sete horas da noite. Quando foi lá pelas duas da manhã, eu não agüentava mais e fui ver quantas páginas tinha lido.  Tinha lido mais ou menos umas duas páginas e o capítulo estava inteiro ainda. Daquele dia em diante pensei: acho que não vou ter mais férias. Dediquei-me intensamente para ser  bom aluno nos Estados Unidos. Consegui meus objetivos. Esse mesmo professor me convidou para fazer PhD sob sua orientação e eu era orientado por outro professor do Departamento de agronomia da Universidade de OHIO. Não aceitei o convite para continuar nos Estados Unidos. Voltei para me casar.
Gosto de fazer cavalgadas, aliás vamos fazer uma que será de 6 dias. Serão 250 a 300 km. Gosto muito de conversar, de estar numa roda de conversa ligada aos assuntos do agronegócio ou alguma discussão cultural. Gosto de participar da vida familiar, sou “caseiro”. Meu momento de lazer é ficar com a família.  Esse ambiente me lembra a infância que foi excepcional. Muito boa memo. Excelente.

Revista JCM – Voltando lá atrás, quando o senhor dizia que resolveu sair do departamento porque ele não produzia de forma adequada. O que mudou no departamento de lá para cá nesse aspecto da produção, de ser mais rentável? Como era e como ficou?

Corsi
- Era uma questão de ponto de vista, de focar uma meta e a meta era  ter níveis de produção que fossem condizentes com o que a literatura de países mais avançados apontavam. O desafio  era o de elevar o nível de produtividade a ponto de que a produtividade pecuária, a rentabilidade econômica  da pecuária deveria ser igual ou melhor do que era alcançando pela agricultura. Se isso não ocorresse trabalhando em uma atividade que teria  futuro muito curto. Se a pecuária não pudesse competir com a agricultura em termos de renda por hectare em pouco tempo não existiria a atividade da pecuária ou então ela iria ser atividade marginal nas fazendas. Não havia como me conformar com isso porque sabia do potencial da pecuária nas nossas condições de solo e clima. Tinha certeza que poderíamos competir em termos de rentabilidade por hectare com a agricultura se empregássemos na pecuária níveis tecnológicos equivalentes aos usados na agricultura. E evidentemente isso não estava ocorrendo. Os níveis tecnológicos que estavam sendo empregados na pecuária naquele tempo eram muito, muito atrasados.

Revista JCM
– Estamos falando de que ano?

Corsi
- No início da década de 70. Os níveis tecnológicos eram muito baixos, refletindo produtividades inexpressivas. Acreditava-se muito na experiência que as pessoas tinham na atividade, exemplo típico do empirismo e da falta de tecnologia nesse negócio.  Acreditava-se pouco na teoria e era comum ouvir “que na pratica a teoria era outra”expressando  a falta de conhecimento ou de transferência de tecnologias. Conviver com esses conceitos deturpados era inaceitável, principalmente quando se tem a missão de formar profissionais. Foram estas razões, e as que já citamos , que motivaram o inicio trabalho no Departamento. Para se ter  idéia do potencial da pecuária e do desenvolvimento do trabalho no Departamento devemos analisar a situação inicial e a que nível chegamos enquanto esse trabalho estava sendo feito.Tínhamos no Departamento cerca de 100 cabeças de bovinos. Na mesma área conseguimos manter ao redor de 1000 cabeças após a intensificação.

O que esse trabalho estava mostrando era um novo conceito de produzir em pecuária.  Esse exemplo, na ESCOLA  estava apontando  uma  alternativa para trabalharmos em uma integração agricultura/pecuária  na  propriedade agrícola e fazer com que as duas atividades,  pecuária e  agrícola, se complementassem com níveis de economia de produção semelhantes. E isso seria possível se empregássemos níveis tecnológicos semelhantes nas duas atividades. Sempre se comparou a rentabilidade da agricultura com a de pecuária mas poucas vezes se fez uma comparação justa,isto é, dando á pecuária condições de demonstrar seu potencial produtivo.

Revista JCM
– Em termos de níveis de produtividade, o que mudou do inicio de 70 para agora lá?

Corsi
- Vamos considerar a produtividade de leite. A produtividade de leite naquela época provavelmente era 700 litros por hectare (ha), e hoje em alguns estados está ao redor de 1.200 litros / ha.
Quando dizíamos que essa produtividade era muito baixa e que a meta era a de atingir 5.000 litros/ha/ano achavam que eram valores inacreditáveis: de 700 para 5.000, como seria possível?  À medida em que se entende o sistema de produção  e se conhece a importância dos fatores que alteram a produtividade do sistema torna-se possível obter produtividades de 40 a 50.000 litros/ha/ano como ocorre com alguns produtores ou de 40 a 50@/ha/ano, em situação de sequeiro, explorando o gado de corte.

Revista JCM
– Mas estou falando lá na ESALQ.

Corsi
- Quando começou provavelmente a média era de 700.

Revista JCM
– E hoje?

Corsi - Ao redor de 15 mil litros/ha/ano. Devemos lembrar que nosso rebanho também serve á pesquisa e experimentação. Existem produtores em escalas maiores do que nós que estão com 40 mil litros. Nós podemos chegar a produtividades maiores que essas que estão sendo obtidas. Essas propostas, no entanto,excitam perguntas como: "isso não é muito otimismo?". Não, eu chamo isso de realismo. Nós, professores, pesquisadores, somos sempre treinados para raciocinar de uma maneira lógica e, evidentemente, com alguns números. Você não raciocina do abstrato, precisa ter números, precisa ter o raciocínio lógico, precisa entender todo o processo de produção e isso faz com que a gente não se sinta otimista. Ao contrário, sinto-me realista. Falamos que a máxima produtividade seria ao redor de 60 mil litros/ha/ano e hoje se comenta que a meta, não é 60  que seria 90.000 l/ha/ano. Por quê? Porque a cada dia se controla melhor os fatores de produção como o conforto animal, seleção dos animais, melhoramento genético, sanidade, alimentação, treinamento da mão de obra etc. Com produtividades de cerca de 10.000 l/ha/ano podemos ser muito competitivos e tornar a pecuária uma das alternativas mais lucrativas de uso do solo. A pecuária de corte também mostra elevado potencial produtivo e com capacidade de se integrar em sistemas de produção intensiva do agronegócio. Todo trabalho de intensificação no sistema produtivo do Departamento foi iniciado em 1,4 há.  Seria natural o questionamento da razão por termos iniciado com área tão pequena. Porque já não começou numa área maior? Esse processo seria possível em área maior? O motivo de iniciarmos em área tão pequena foi a falta de dinheiro. Não tínhamos dinheiro para começar em área maior. A restrição econômica nos obrigou a usar os recursos para aquela área para demonstrar nossos objetivos de mudanças nos níveis de produtividade. Aqueles 1,4 ha intensificados possibilitaram visualizar e o potencial que tínhamos na pecuária. Os índices zootécnicos no rebanho do Departamento começaram a se mover para conseguir destaque, de servir de exemplo, mudaram para posição de liderança em termos de produtividade. Entretanto, era freqüente entre os visitantes a pergunta:Isso funciona em áreas maiores? Funciona em qualquer tamanho de área porque os princípios e conceitos são os mesmos. Desses 1,4 ha ampliamos o sistema para 5 para 10 e 20 ha (o máximo foi 30 ha) e assim por diante na medida em que precisávamos aumentar o rebanho e se o recurso financeiro permitisse. Não existe mais aquela idéia de que módulo pequeno não vai funcionar em áreas maiores. Ao contrário, se administração for eficiente, converte-se os resultados obtidos nesse módulo para qualquer tamanho de propriedade. Evidentemente esses ajustes devem passar pelo treinamento da mão de obra, que é um conceito que também tivemos que desenvolver. É necessário, imprescindível treinar pessoas. Conheço poucos proprietários – pouquíssimos – que discutem  com  seus funcionários  metas de produção. Raramente o funcionário tem o conhecimento para avaliar as razões de ele estar executando algum trabalho de coleta de dados. Não é comum o proprietário discutir resultados da sua atividade, principalmente pecuária, com seus funcionários. Certamente fica mais difícil alcançar êxito na atividade se não formos capazes de indicar e de orientar nossa equipe para os objetivos que queremos atingir. Precisamos discutir, ouvir, ponderar as observações das pessoas envolvidas no processo de produção e, daí orientá-los indicando acertos e desvios de conceitos para que todos entendam as alternativas e propostas de ações que serão tomadas para maximizar resultados. É simples: deixar claro a equipe: “nossa meta é essa, estamos muito longe de uma meta que é plausível economicamente, e provavelmente nossos erros estão em ‘tais’ e ‘tais’ lugares”. Isso é só treinamento.

Revista JCM – Treinamento e comunicação?

Corsi - Treinamento e comunicação. Ao contrário do que muitas vezes é dito, as pessoas que estão no campo são competentes. O pessoal tem mania de usar argumentos do tipo: “...é que fiquei com o pessoal menos qualificado no campo, os mais qualificados foram para as cidades...”, etc. Não acredito nisso de jeito nenhum. Tenho provas consistentes de que essas pessoas são capazes de desenvolver excelentes trabalhos se  forem orientadas. O melhor exemplo disso é a agricultura. Temos produtividades agrícolas semelhantes a qualquer  das melhores do mundo. Para se ter uma idéia, no Brasil, se você tomar o índice 100 para a melhor propriedade agrícola, a média das propriedades agrícolas está em 80% da melhor. Estou falando da melhor propriedade agrícola que é comparada a níveis mundiais.  Enquanto que na pecuária, se nós consideramos 100 o nível de tecnologia ou produção da melhor propriedade pecuária (que esta longe para se comparar com a melhor propriedade pecuária do mundo),  a média das propriedades pecuárias está ao redor de 27, 30%. Significa, em termos práticos, que a pecuária esta produzindo  30% de uma propriedade que esta longe de ser modelo de produção aos níveis internacionais.  A qualidade da mão de obra não deve ser o diferencial entre a agricultura e pecuária porque a maior parte da mão de obra que está  na agricultura veio do mesmo ramo, do mesmo tronco, muitas vezes a pessoa só mudou da pecuária para a agricultura. O treinamento da equipe, orientação, definição clara das metas tornam mais fáceis a administração do processo de produção.  Se eu não defino as metas, não conheço os benchmarkings de cada variável da produção, de cada nível tecnológico, como vou orientar alguém? Fala-se que a mão de obra não é boa, que o nível de produtividade não é bom ... Não é nada disso. Não se toma decisões corretas sem saber onde queremos chegar. Quando se discute esses aspectos da produção aparece alguém dizendo: "você é muito otimista". Não. Procuro ser realista, estudo para isso, analiso dados, a minha vida é essa. Se eu não acreditar nisso não seria capaz de transferir essa convicção para os estagiários e alunos. Eu preciso fazer com que essas pessoas de fato sejam motivadas e acreditem nisso e, para elas acreditarem nisso, eu preciso apresentar números. Senão, não acreditam mesmo. Todo dia tem uma enchente de informações que afirmam o contrário do que estamos dizendo... Como eles vão acreditar em outra coisa? Cinco anos depois que saíram da escola e da nossa influência, eles estão juntos da comunidade, estão falando a mesma coisa e é coisa que nós não queremos. Por isso faço a maior força possível para que meus alunos sejam os mais independentes possíveis, tenham idéias próprias e liberdade total pra discutir comigo esses assuntos. Eles de fato têm essa liberdade. Esse grupo de alunos do CAPIM se reúne toda terça-feira à noite. Em qualquer terça-feira à noite eles estão lá. Eles começam às 6h30 e vão até 10, 11 horas da noite discutindo trabalhos científicos e analisando informações. Quando saírem para o mercado de trabalho eles não serão absorvidos pelo meio, mas terão idéias próprias, vão saber discutir e com isso  vamos  contribuir para mudanças. E o único jeito de mudar é fazer com que as pessoas acreditem no que estão fazendo. Não acreditar simplesmente por acreditar, mas por terem capacidade de desenvolver um raciocínio lógico baseado em análises e conceitos que conduzem a decisões realistas e não otimistas. Otimismo serve para muito pouca coisa e por muito pouco tempo. Quando você é realista toda hora você pode mudar o seu rumo e sabendo para onde está indo. A ESCOLA nos proporciona essas oportunidades de formarmos pessoas e equipes. Devemos reconhecer que sem o apoio do Dr. Aristeu seria muito mais difícil atingir os resultados e proceder as mudanças necessárias.  Mudanças, normalmente, trazem conflitos de idéias e até atritos, promovem questionamentos. Nessas ocasiões o Dr. Aristeu sempre se posicionou a favor: "temos que fazer, vamos acreditar, vamos fazer". Esse voto de confiança foi decisivo para promover as mudanças no sistema de produção do Departamento

Revista JCM – Mudando um pouco de assunto. A pecuária sustentável é hoje assunto recorrente, sendo inclusive tema maior da FEICORTE 2010 (Feira Internacional da Cadeia Produtiva da Carne). A pecuária sustentável é uma realidade brasileira? Em que medida nós estamos praticando uma pecuária sustentável?

Corsi
- Acho que para ser economicamente eficiente a atividade tem que ser sustentável. Vamos falar primeiro da parte econômica: para o empresário permanecer no negócio é preciso ter lucro, ganhar dinheiro, é preciso conduzir a atividade de maneira correta. Evidentemente quando você está trabalhando com o conceito de economia e longevidade,isto é, que sua empresa tenha vida econômica longa, é quase certo que estaria praticando conceitos de proteção ambiental. Quando você pratica uma boa agricultura, não é possível admitir que se perca a camada mais fértil do seu solo, a  superficial,  exatamente aquela que é arrastada pela erosão  acarretando o assoreamento dos rios e lagoas. Então, quando estou fazendo um trabalho sustentável, estou procurando proteger o ambiente da melhor maneira possível, exatamente porque é aquilo que me faz economicamente sustentável.  Procura-se através das tecnologias modos de usar a menor quantidade possível de recursos para garantir a viabilidade econômica. Antigamente se falava ta de 20, 30 aplicações de inseticidas na cultura do algodão. Hoje, o pessoal tem  equipe treinada para fazer contagem de insetos na cultura para determinar qual é o nível crítico do controle das pragas e determinar a estratégia de pulverizações, e com isso decresceu assustadoramente o número de aplicações de defensivos agrícolas no processo de controle de pragas. A aplicação de inseticida dessa forma não deixa de ser uma economia de recurso e uma proteção ambiental. Outro exemplo: metano. Existe a crítica de que o animal é um produtor de metano e isso tem um efeito sobre o meio ambiente através do aquecimento global. Hoje, todo mundo sabe que à medida que produzimos animais mais precoces, através de melhorias no manejo das pastagens, do rebanho, da genética, da nutrição, etc. esses animais são abatidos  mais precocemente e, conseqüentemente, produzem muito menos metano por unidade de carne produzida.  A sustentabilidade nesse caso esta de mãos dadas com a economia de produção porque um dos fatores que mais prejudica economicamente a rentabilidade da pecuária nacional é o baixo nível de desfrute do nosso rebanho. Baixos índices de desfrute elevam os preços das arrobas comercializadas. Se abatermos animais mais precocemente estaremos elevando o desfrute e baixando o custo da arroba vendida. Esse conceito ainda não esta claro para pecuaristas e deve ser considerado nas análises econômicas dos sistemas produtivos da pecuária ou de qualquer outra atividade. Ainda na questão do metano: estamos terminando experimento para dissertação de doutorado de um de meus orientados sobre o uso de produtos no sal mineral para reduzir a produção de metano e proporcionar ganhos de 30 a 100 gramas por dia por animal. O interessante é que alem de proteger o ambiente essa tecnologia confere excelentes retornos ao investimento efetuado para inclusão desse produto ao sal mineral que  é tecnologia empregada pela maioria dos pecuaristas. Tecnologias como essas são facilmente adotadas pelos pecuaristas por estarem ambientalmente corretas e economicamente sustentáveis.

Revista JCM – Necessariamente, o ganho, o lucro, o lado econômico caminham paralelo à sustentabilidade?

Corsi
- Sim.

Revista JCM
– Necessariamente?

Corsi
- E se não houver uma sustentabilidade econômica no processo o sistema entra em colapso.

Revista JCM
– Mas a longo prazo, não é? Muitas pessoas não têm essa atitude, talvez porque a pequeno e médio prazo...

Corsi
- ... ele não observa isso. Ele sabe que está ficando pior, sabe que está indo para um processo de falência. Normalmente as tecnologias que são empregadas no sentido da sustentabilidade são as mesmas tecnologias que geram economia na produção.

Revista JCM
– Dentro desse tema: o novo código florestal é retrocesso ou avanço?

Corsi
– Penso que estamos agora procurando uma confluência entre o que é necessário e o que é possível. Estamos começando a deixar de agir pelo emocional, que antes imperava. Acho que essas decisões têm que ser técnicas. Se não temos informações para tomar  decisões técnicas, devemos prover informações através das pesquisas nas universidades, na EMBRAPA e outros institutos de pesquisa .

Revista JCM
– Esse novo código florestal está calcado em argumentos técnicos aceitáveis com os quais o senhor concorda?

Corsi
– Há decisões onde se percebe o envolvimento emocional dos dois lados - dos ambientalistas e dos ruralistas, mas  falando como produtor, o ruralista está, atualmente, se preocupando em se defender com argumentos técnicos em relação ás propostas apresentadas pelos  ambientalistas. Acredito que em futuro próximo as decisões serão mais racionais, baseadas em conhecimentos técnicos. Universidades, EMBRAPA e os institutos de pesquisa deverão participar mais ativamente nas decisões de colegiados que legislam em assuntos do agro negocio .

Revista JCM
– Eles não estão sendo ouvidos nessa questão?

Corsi
– Pouco. Insuficiente para refletir influencia técnica nas decisões.

Revista JCM
– O lado emocional é mais forte do que o lado técnico?

Corsi
- Existe muito envolvendo o emocional e acho isso perigoso. A divulgação de informações constantes por meio de comunicações  impressas, televisadas etc são, as vezes, superficiais e distorcidas favorecendo conclusões tomadas pelo emocional. A população urbana cada vez mais suplantando a rural passa ser o foco da divulgação dessas informações e com isso repercussão de opinião popular sobre decisões de legisladores e governantes. É exatamente nesse contexto que acho que a informação técnica tem que prevalecer. Temos que abstrair um pouco das informações emocionais e ponderarmos mais o lado técnico. Com isso  vamos alcançar melhor equilíbrio entre as opiniões de ambientalistas e ruralistas.
 Nunca consegui entender o seguinte: Nas disciplinas de conservação de solos no curso de agronomia aprendemos que as enxurradas ou a canalização de águas de terraços construídos em desnível devem ser conduzidas para um escoadouro gramado, não para um reflorestado. Por quê? Porque o solo vegetado por gramíneas, como no caso de pastagens é mais eficiente para reter sedimentos que seriam carreados para os rios e causariam assoreamentos. Os sedimentos são retidos  pela gramínea com maior eficiência que pelas florestas ,como demonstram trabalhos de pesquisas e por observação despretensiosa. Esse fato pode ser conferido por qualquer pessoa com senso de observação, que notaria na saída de água canalizada por uma estrada,  muita areia acumulada logo depois que a água entra na área de pastagem demonstrando a eficiência dessa vegetação constituída de gramíneas em pastejo para  reter sedimentos. Esse processo de conservação de solo e recursos naturais esta sendo usado há muito tempo nas fazendas para evitar erosões.  Neste caso a areia, a terra, essa parte fértil do solo, não será carregada pela enxurrada para assorear os  recursos hídricos. Mas, se você ler o código florestal, sempre está dito que tem que ser vegetado, interpretado como “vegetado por floresta”. Como pesquisador gostaria que dados de pesquisas fossem considerados para auxiliarem nas decisões.  Deve ser floresta? Tudo bem. Para que fim?  Para  desenvolver corredor ecológico. Ótimo. Então, vamos estudar como, onde, de que dimensão, qual a freqüência e distribuição que necessito desses corredores. Torna-se difícil aceitar regras engessadas para sistemas biológicos com tanta multiplicidade de fatores ambientais (clima, solo, topografias, distribuição hidrográfica, diferentes biomas, etc). Não pode ser a mesma regra para situações tão diferentes.  Então são conceitos que precisam de deliberações mais técnicas, menos emocionais.

Revista JCM
– O senhor é produtor ?

Corsi
- Sim, felizmente sou produtor e tenho muito orgulho disso.

Revista JCM
– É produtor de que tamanho?

Corsi
- Tem duas maneiras de você definir o tamanho do produtor. E depende do interlocutor com o qual queremos posicionar essa definição. Um produtor grande na maneira que a maioria das pessoas pensa seria a que tem bastante terra ou muitos animais. Quanto é grande? 3 mil, 5 mil, 20 mil hectares ou 5 mil, 10 mil ou mais de 20 mil cabeças? A outra maneira de qualificar o tamanho do produtor, é o tamanho da sua cabeça ,isto é, da sua capacidade  de aceitar e aplicar tecnologias de converter informações em conhecimentos para elevar níveis de produtividade. Se eu tenho uma propriedade de 5000 ha mas consigo produtividade de 4 a 5@/ha/ano seria do mesmo tamanho que uma fazenda de 400 a 600 ha com produtividade de 40 a 50@/ha/ano. Pode-se argumentar que o patrimônio e o custo de produção seriam diferentes. Tenho dificuldade de entender esse raciocínio embora saiba que terras de valores menores possam suportar sistemas menos intensivos. Toda vez que faço estas comparações concluo que o aumento na produtividade compensa custos maiores de terra porque em sistemas intensivos a importância do valor da terra decresce proporcionalmente quando aumenta o numero de animais na fazenda. A terra deixa de ser a maior participação no capital de exploração intensiva da pecuária . Se você for me classificar no primeiro conceito seria um produtor pequeno. O meu rebanho (faço recria e engorda) esta ao redor de 500 cabeças. Crio, também, ovinos – são ao redor de 350 fêmeas – que exploro para a produção de carne. Tenho café, que está reduzido a uns 30, 40 mil pés. Estou no processo de reduzir a área com café e aumentar a de pecuária porque  a renda na  pecuária tem sido melhor. . Agora vamos considerar o outro conceito de tamanho da propriedade...

Revista JCM
– Em que área?

Corsi
- Área própria em pastagens seria  60 hectares. O total da propriedade cerca de 80 hectares.  Arrendo muitas áreas próximas da minha. Acredito na atividade, por isso procuro ampliá-la , também, através de arrendamentos.

Revista JCM
– Quanto mais é arrendado?

Corsi
- Metade das unidades animais que possuo está em área própria, e a outra em arrendadas. Tenho cinco vezes mais hectares arrendados do que próprios.

Revista JCM
– Quais são seus índices?

Corsi
- A média brasileira em termos de produção de carnes é de 5 arrobas por hectare ao ano. Na minha a produtividade é de 45 a 50 arrobas por hectare ano. Cerca de 10 vezes maior em termos de produtividade que a média brasileira. Em taxa de lotação, a minha propriedade sustenta invariavelmente ao redor de 5 unidades animais por hectare no ano todo, varia entre 4 e 5, depende muito da oportunidade de compra,  do negócio,  do mercado, etc. A média brasileira é de 0,8 /ha/ano. Faço regularmente adubação nas áreas de produção de pastagens e nas áreas para produzir forragem para o “inverno”. Não teria bons níveis de produtividade se não fizesse adubação. Essa propriedade é intensamente explorada e com  níveis  extremamente favoráveis de produtividade e rentabilidade.  Essa fazenda é localizada em topografia muito inclinada, com muita pedra e que normalmente  pecuaristas considerariam como imprópria para  produzir. Está aí: eis uma maneira de mostrar que não existem limitações claras para pecuária desde que você tenha a tecnologia para ser aplicada e a dedicação a esse processo de produção. Deste jeito sempre a pecuária vai ser muito rentável. Acho que sou um produtor grande ou então me sinto um produtor grande por causa da produção e não por causa da área.

Revista JCM
– Em que local o senhor tem a propriedade?

Corsi
- Em Socorro. Hoje essa propriedade está situada no município de Águas de Lindóia, mas originalmente ela pertencia ao município de Socorro.

Revista JCM
– Que impacto tem essa maré de sustentabilidade na pecuária brasileira?

Corsi
- Acho que vai depender muito da maneira como nós encararmos esse conceito de sustentabilidade. Se  fizermos de maneira unilateral pensando no ambiente de modo emocional, algumas barreiras poderão reduzir a velocidade de desenvolvimento comparada à situações em que se consideram soluções técnicas e econômicas. Acredito na integração  agricultura/ pecuária. Deve ser um caminho irreversível de desenvolvimento do agronegócio. Essa tecnologia deve garantir maior sustentabilidade aos negócios e permitir maior  equilíbrio econômico na propriedade. Se houver insucesso ou frustração de safra em qualquer uma das atividades, a outra pode proporcionar equilíbrio ou sustentação. Devemos considerar outra forma de interação agricultura/ pecuária alem da tradicional onde o agricultor cultiva pastagens degradadas por algum tempo e depois de alguns anos a entrega com a pastagem formada. O pecuarista normalmente não tem equipamentos ou expertise para explorar agricultura. O agricultor tem limitações para se dedicar á pecuária. Desse modo, outra modalidade de integração esta ocorrendo de forma que pecuaristas estão se instalando em áreas agrícolas onde o resíduo da agricultura tem custos muito baixos, como é o caso de resíduos de grãos (milho,soja, milheto, sorgo,  caroço de algodão, etc). Nesses casos a pecuária explorada através do confinamento, da suplementação á pasto em regime de semi-confinamento ou por suplementos protéicos e/ou energéticos tem usado resíduos agrícolas para acelerarem o acabamento dos animais ou contribuírem para melhor índices zootécnicos .  

Revista JCM
– A evolução da pastagem brasileira e a sua vida profissional correram paralelas  nesses últimos 40 anos. Quer dizer, a história de uma coisa tem a ver com a história da outra. O senhor pode nos contar um pouco sobre sua especialidade em pastagem, como se desenvolveu e como vem desenvolvendo a pastagem brasileira? O senhor é um dos grandes entendidos de pasto. Como disse, quando o senhor começou, o seu pai mesmo que era fazendeiro falou: "vai estudar isso que todo mundo sabe?". Ou melhor, qualquer fazendeiro sabe. Gostaria que o senhor me contasse um pouco sobre essa mudança de mentalidade, se é que houve, ou que mudanças houve do pecuarista em relação à pastagem. Enfim, o que houve em relação à pastagem nesses 40 anos e como foi o desdobramento do seu trabalho profissional.

Corsi
- Interessante. Acho que tenho que começar a história por aquela abordagem mesmo sobre a qual meu pai falou: "o que você vai fazer? Todo mundo entende de pasto. É igual, não tem diferença". Naquela época era essa a concepção. Evidentemente essa convicção era sustentada por falta de índices. Sabia-se pouco das vantagens de se formar bem um pasto, de usar sementes certificadas, comercializadas por companhias idôneas, de controlar invasoras, da formação até manutenção de pastagens, do controle de pragas, dos efeitos das adubações do controle do pastejo. Foi  por volta do início da década de 70 que iniciou a formação de pastagens  a partir de sementes  de procedência idônea   através do método CATI . Esse processo de formação de pastagens preconizava a semeadura com o uso de superfosfato simples.  Os resultados de formação de pastagens usando essa metodologia foram surpreendentes porque o pasto podia ser usado entre 60 a 90 dias da data da semeadura. Era usual esperar pelo menos o dobro desse período e, às vezes, mais de um ano. Atualmente pastos formados a partir de sementes de qualidade são usados intensamente com 30 dias da data da semeadura. É possível determinar para diferentes níveis de exploração na pecuária o custo/beneficio do controle de pragas e invasoras, do  retorno econômico de tecnologias como a suplementação de protéicos e energéticos na produção. Embora tenhamos disponíveis muitas ferramentas para o desenvolvimento da pecuária é estranho que ainda tenhamos baixos índices zootécnicos e de produtividades alem de anseios e aspirações que refletem descontentamentos freqüentes com a pecuária. Parece que certas coisas não evoluem.  Ninguém admite que está cometendo um erro ou que está fazendo propositalmente uma coisa inferior. Vamos analisar um conceito básico e fundamental para o sucesso de um pecuarista, seja invernista ou criador. O pecuarista comercializa seus animais por peso. Era de se esperar que toda fazenda que explora a pecuária deveria ter balança para efetuar suas vendas ou para conferir os acertos e erros de tecnologias que estão sendo implantadas na fazenda como manejo do rebanho, suplementação,  controle de ecto e endo parasitas, controle de pragas, de invasoras, de respostas de adubações etc. Deveríamos entender que a balança é imprescindível para gerenciamento da fazenda. Entretanto, somente 2,5 % das propriedades com atividade pecuária em São Paulo tem balança de acordo com  dados levantados pelo LUPA (LUPA é Levantamento de Unidades Produtivas Agrícolas)  da Secretaria de Agricultura. Como pode um pecuarista que comercializa bois gordos 6 ou 10 vezes no ano acertar mais o peso estimado dos animais que o comerciante que faz de 8 a  15 negócios por dia? Sem balança para gerenciar ou negociar o produto final fica difícil acreditar nos índices de ganho de peso, nos efeitos da suplementação, das alterações no manejo do pasto ou do rebanho e nas comparações que pecuaristas mencionam em conversas. Parecem que eles querem acreditar no que tem razões para duvidarem.
Em uma propriedade em Goiás um pecuarista percebeu a importância do uso da balança como   ferramenta de gerenciamento. Depois de iniciar a pesagem do rebanho como rotina foi possível muito rapidamente, sentir os efeitos positivos na média dos ganhos de peso e produtividade e a ter mais cuidado nas compras adquirindo animais melhores.
Atualmente a exploração das pastagens envolve conhecimentos de produção de forragem, manejo do pastejo, conversão alimentar. São áreas de estudo que se complementam para maximizar a produtividade animal em pastagens. O pecuarista pode ser bom em produção de forragem, mas se falhar no manejo do pastejo ou na nutrição teria fracassado no sistema de produção. O sucesso  só ocorre se houver  integração dos conceitos de produção, manejo do pastejo e da nutrição animal,isto é,  o pecuarista deve produzir bem, colher o melhor que puder em quantidade e qualidade de forragem e proporcionar condições para os animais converterem essa forragem em carne, leite ou outro produto animal.  

Revista JCM
– O senhor diz que o pecuarista em geral trabalha ou em um, ou em outro, ou ele é bom em um ou no outro.

Corsi - Exatamente. Em geral ele não opera na integração da produção de forragem com a colheita através do pastejo e na conversão desse alimento em produto animal. São atividades que ocorrem simultaneamente durante o pastejo e para serem bem sucedidas necessitam de conhecimento, muitas vezes obtido por programas de treinamentos.

Revista JCM – E uma única pessoa em uma grande propriedade consegue fazer esse controle dos índices?

Corsi - Se tiver orientação, sim. E não precisa ser excepcional. Percebe-se que a administração de firmas é feita através de relatórios  curtos, sintéticos de  uma ou duas páginas.  Com o auxilio de programas  os controles ficaram mais fáceis de serem obtidos, os dados de serem tabulados e os relatórios elaborados.

Revista JCM – O campo está informatizado?

Corsi -  Fiz uma palestra apontando o uso da balança para melhorar o ganho diário de peso usando o descarte de animais de ganhos inferiores. Explicava que a melhora permitiria ganhos de 950 a 1100g/cabeça/dia durante o “verão”.  Alguém na platéia me perguntou: “Professor, quantos animais você tem?”. Eu falei: “provavelmente esse grupo devia ter 25, 30 cabeças”. Ele continuou: “professor, você não acha irreal por estar mexendo com poucos animais recomendar pesagens com certa freqüência para efetuar descartes?  Respondi que em Camapuã- MS existe uma fazenda que controlava cerca de 6000 cabeças do mesmo modo que  estava fazendo com 20 ou 30  animais. A diferença  dessa operação era que em Camapuã eles tinham balança com capacidade de armazenar dados e a leitura da identificação dos animais era feita por leitor de barras, processos  que tornavam a operação exeqüível. O campo esta a cada dia mais dependente da informatização.

Revista JCM – E o senhor vê em um futuro curto uma mudança de atitude aí no nosso campo, na pecuária?

Corsi - Cada vez mais essa mudança de atitude deve ocorrer  intensa e rapidamente. Essas mudanças devem advir do fluxo de informações, de alterações na educação e nível de escolaridade dos empresários. Serão impulsionadas pela necessidade de operarem com índices maiores de produtividade e de renda para garantirem melhoras na qualidade de vida. Serão apoiados por assessores, informações e orientações para minimizarem erros. Transformações estão ocorrendo mais rápidas com o acesso a fontes de informações como internet, por exemplo.
Revista JCM – O senhor falou desse índice de 2,5% de fazendas  em São Paulo que têm balança. Para isso também, para que haja mudança neste aspecto, é preciso haver mudança de atitude. Em quanto tempo o senhor acha que esse quadro pode mudar drasticamente?

Corsi - Um índice levantado pelo LUPA mostra que a idade média dos produtores rurais está em torno  de 55 anos. Como a expectativa de vida do brasileiro é de 72 anos, em cerca de 20 anos   essa geração devera ser substituída, provavelmente por outra mais esclarecida.

Revista JCM – Mas, o senhor não respondeu a minha pergunta da famosa historia da balança, de 2,5%. Em quanto tempo vamos alcançar os 50%? Qual é a expectativa dessa mudança de mentalidade?

Corsi - Garanto que se  tivéssemos comunicação  mais ampla, essa mudança ocorreria em menor tempo que na fazenda de Goiás. Lá demorou cerca de 8 anos. Depende da comunicação e da transparência das respostas aos questionamentos do pecuarista.

Revista JCM – Podemos dizer que em 10 anos esse quadro muda radicalmente?

Corsi - Radicalmente não. Mas, teremos mudanças constantes e progressivas. As pessoas são muito influenciadas pelo que fazem vizinhos ou conhecidos. Por isso difusão de tecnologia obedece escala de progressão geométrica, isto é, quando um adota tecnologia ele influencia mais 2 ou 3 e esses mais5 ou 8 e assim por diante.Também devemos considerar que os menos eficientes deixarão atividade. Desse modo o número de produtores que absorverão tecnologia deve aumentar repentinamente.

Revista JCM – Há números da FAO (Organização das Nações Unidas Para Agricultura e Alimentação) que indicam que o Brasil, que já é o maior exportador de carne do mundo, até 2017 vai ser o maior produtor e o melhor produtor mundial. O senhor acredita nisso?

Corsi – Já somos  o maior exportador e eu tenho certeza que o Brasil terá destaque mundial como produtor não só de carne,mas de alimentos. Poucos países no mundo têm extensão de área, com clima e solo tão favoráveis para produção como o Brasil.

Revista JCM – E por toda essa nossa conversa, pode-se deduzir que pecuária se aprende na escola? Na escola superior?

Corsi - Acredito que a informação, a análise dos dados, da conjugação da parte prática com a teoria, o desafio de encontrar  soluções para  problemas, o despertar da curiosidade científica se aprende na escola. Entretanto  o processo de aprendizado deve ser contínuo. A escola é interrompida depois de cinco, seis anos, mas  o aprendizado não pode ser interrompido.

Revista JCM – Se o senhor tivesse que dar um conselho para o pecuarista brasileiro qual seria?

Corsi - Definir metas. E, depois de definidas essas metas, ver quais são os pontos de estrangulamento. Penso que esses pontos são: treinamento da mão de obra e conceitos. Aplicação de conceitos de produção, sejam eles de produção de pasto, seja de manejo do pastejo,  do manejo do animal,etc. Mas, basicamente o que precisa ser feito é estabelecer metas e procurar treinar as pessoas para poder atingir essas metas. Cobrar. E evidentemente orientar quando  não se obtêm resultados satisfatórios. Orientar, replanejar, treinar continuamente a mão de obra sem perder o foco da meta. Essa luta é constante, mas muitas pessoas param no meio. Elas têm metas, às vezes fazem treinamento e depois acham que dali para frente tudo devera dar certo. Errado. Freqüentemente é preciso replanejar porque as situações são dinâmicas.

Revista JCM – Por que a pecuária brasileira é menos tecnificada do que a agricultura brasileira?

Corsi – Uma das razões é cultural mesmo. A pessoa da pecuária é bem mais tradicional do que a da agricultura. A complexidade dos sistemas de produção da pecuária produtiva são maiores que os da agricultura. Na pecuária alem da relação solo-clima-planta ,como existe na agricultura, temos que manejar o animal nesse sistema. Seria como adicionar no sistema agrícola uma praga na cultura que tivesse que ser alimentada para se obter resultados econômicos. Agricultores incorporam tecnologias na produção muito mais rapidamente que pecuaristas. Por isso a média de produção de fazendas agrícolas é 80% das melhores fazendas enquanto na pecuária esse valor comparativo é de 30%.

Revista JCM – Na pecuária é 30%.

Corsi - Sim. Isso significa que a agricultura aceita a tecnologia com muito mais facilidade, ela incorpora essa tecnologia muito rapidamente no sistema de produção.

Revista JCM – Mas não é tudo campo? Por que um culturalmente tem essa tendência e o outro não?

Corsi – Por conta dos índices como já falamos. Os índices na agricultura são bem estabelecidos. Se eu falo que estou produzindo 20 sacos de soja por hectare, imediatamente todo mundo vai dizer: “está produzindo pouco, o que aconteceu?”. Se acontecer a mesma situação na pecuária com produções de 5 ou 6 arrobas não há questionamentos. Não ha diferenciais para se estabelecer comparações e despertar interesse em maiores produtividades. A agricultura já estabeleceu níveis de produtividade que eles consideram bons e que os desafiam á cada ano agrícola. Parece que os pecuaristas estão confortáveis com a rentabilidade atual. Sabemos que não é essa a situação, mas deixam essa impressão.

Revista JCM – Mas isso daí é uma mentalidade, é uma coisa cultural. Porque a cultura de um lado é de um jeito e a cultura do outro é de outro jeito?

Corsi -  Talvez seja pela falta de índices para conferir o desenvolvimento de suas atividades. Em pecuária de corte intensiva bem conduzida o custo de produção seria ao redor de R$ 40,00 ou R$ 50,00/@ e o valor de venda de R$ 80,00 (que é o que está hoje). Nesse caso a margem seria de R$30,00 ou R$40,00/@ produzida que reflete  retorno considerável do capital circulante investido. Conheço pecuaristas que têm retorno acima de 25% ao ano que é um  muito bom. Nem a indústria consegue isso. Assim não posso atribuir as diferenças entre mentalidades á atividades e sim á atitude das pessoas.    

Revista JCM – Que nota o senhor dá para o nosso pecuarista?

Corsi - Tem pecuarista que merece nota... Eu não vou dizer dez porque ele seria perfeito e tem muito ainda a ser feito. Mas tem pecuarista que ainda não saiu dos níveis de subsistência. Eu diria que a pecuária de leite caminha para um nível melhor que o pecuarista de corte. Estamos melhorando, avançando, reconhecendo que somos capazes de maiores produtividades no leite e corte. Estamos adotando tecnologias em níveis maiores e melhores que em épocas passadas. Revista JCM – O Brasil é mesmo o melhor lugar do mundo para produzir carne?

Corsi - Eu não tenho nenhuma dúvida disso. Primeiro porque o Brasil está numa faixa tropical – o que significa que temos condições de produtividade durante  períodos do ano bastante significativos. Temos área territorial, água, clima, solo, recursos naturais , diversidade de plantas e de ambientes. Poucos têm essas condições. Estamos orientados para produzir competitivamente no mercado internacional. Podemos e temos condições de nos destacarmos como maiores produtores de alimentos do mundo. Temos conhecimento técnico para produção Detemos massa crítica de informações  que  não tínhamos ha vinte anos quando era mais difícil  progredir tecnicamente. Em nível de escala de produção de alimentos poucos países terão a condição do Brasil. 

Revista JCM – O senhor neste ano completa 67 anos. Daqui a três entra na compulsória. Como é que está vendo o futuro em relação à vida acadêmica, à aposentadoria?

Corsi - Naturalmente, há um processo de preparação para isso. Nunca pensei em aposentadoria. Sempre trabalhei com um objetivo e esse da aposentadoria não esta sendo considerado. Eu não penso na aposentadoria, mas recentemente me aconteceu um caso interessante. Veio um aluno na minha sala e tivemos o seguinte diálogo:

 (o aluno começou)

- Eu não cursei ainda as disciplinas que são as exigências básicas para a sua disciplina, mas eu quero ter aula com você.

- Mas se você não fez as disciplinas básicas, não tem jeito

- Sabe o que é professor? Eu estou com medo que você se aposente e eu não quero sair da escola sem ter aula com você.

Aí tive a sensação de estar chegando perto dessa  compulsória, mas não penso em  aposentadoria. Tenho  atividades que me manterão interessado nesse assunto de pecuária.

Revista JCM – Então, a vida acadêmica deve se encerrar por causa da compulsória, mas o senhor deve continuar na ativa?

Corsi - Se eu me aposentar vou continuar  envolvido nas atividades que me dedico hoje. Provavelmente terei mais tempo para ir para minha propriedade. Vou continuar trabalhando. Vou pensar nas futuras atividades melhor quando estiver decidido á me aposentar.
Revista JCM – Confirmando: o senhor tem quarenta e três anos de formado, formou em 1967?

Corsi - Isso.

Revista JCM – O senhor aconselharia ao jovem que estivesse decidindo hoje que carreira escolher, seguir uma carreira acadêmica nessa área, como a sua?

Corsi - Eu recebo sempre essa missão de pais e mães que muitas vezes falam: “eu queria que você conversasse com meu filho para ver se ele tem jeito para fazer isso”. E uma pergunta simples que faço ao jovem é a seguinte: “você ama de paixão isso?” O que é paixão? Se alguém lhe convidar para ir para  praia ou para fazenda, você não hesitaria em responder que iria para  a fazenda. Isso é paixão. Ser docente é gostar da atividade produtiva  de orientar, de desafiar, de exigir empenho e responsabilidades. Aconselharia sim. No meu caso faria tudo de novo  talvez  com mais pressa para fazer mais.

Revista JCM – Como assim mais depressa?

Corsi - Quer dizer, com a experiência que você tem... Talvez se eu tivesse corrido mais eu teria desfrutado mais. É muito recompensador, se sentir realizado e, principalmente com uma família equilibrada  e adorável.



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