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Entrevista: Xico Graziano

A Síntese desta entrevista foi publicada na revista JC Maschietto, edição nº 10, de junho de 2012.

Francisco Graziano Neto, 59 anos, mais conhecido como Xico Graziano, é um intelectual “híbrido” e tem orgulho disso. Com uma carreira única, que associa experiências em áreas historicamente antagônicas como a produção agrícola e a preservação ambiental, ele pontua suas falas com substantivos igualmente híbridos, como o agroambientalismo, que considera o caminho mais viável para a agropecuária moderna.

Nascido em Araras, no interior paulista, Graziano estudou agronomia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), onde fez mestrado em Economia Agrária. Foi professor da Universidade Estadual Paulista, em Jaboticabal; fez doutorado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas; elegeu-se deputado federal duas vezes; comandou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 1995, a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, entre 1996 e 1998, e a do Meio Ambiente, entre 2007 e 2010.

Autor de oito livros, Graziano trabalha atualmente como consultor, comentarista do Canal Terra Viva, articulista do jornal O Estado de São Paulo e diretor do site Observador Político, ligado ao Instituto Fernando Henrique Cardoso. Procura, em função de sua história, passar uma visão ponderada e multifocal sobre temas polêmicos.  Nesta entrevista à Revista JC Maschietto, ele avalia, dentre outras coisas, as disputas em torno do Código Florestal, as críticas ambientalistas à bovinocultura e a concentração dos frigoríficos.

Maristela Franco

Revista JCM – O senhor tem raízes rurais?
Sim. Nasci na Fazenda Santa Clementina, em Araras, no interior de São Paulo. Sou neto e filho de agricultores de café e depois cana-de-açúcar. De Araras, fui estudar em um internato em São Carlos. Fiz todo o ginásio interno no Colégio Diocesano, dos 11 aos 14 anos, uma coisa que não existe mais.

Revista JCM – Como foi essa experiência?
Aprendi tudo na vida, de bom e de ruim. Eram 100 meninos internos, imagine. Depois, fui estudar em Piracicaba. Fiz o colegial e entrei na Esalq – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. Então, sai de casa muito cedo. Voltei apenas por um ano, depois do internato. Nesse curto período, em Araras, eu basicamente jogava futebol. Quase parei de estudar para jogar futebol, de tanto que eu gostava. Mas meus pais me matariam. Durante os quatro anos de colégio interno eu fui o primeiro aluno da minha classe. Sempre fui bom aluno. Então, meus pais não me deixariam parar de estudar para jogar bola. Formei-me na Esalq em 1974 e conclui meu mestrado em economia rural em 1977, também em Piracicaba. Nesse mesmo ano comecei a dar aulas na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal. Depois, fiz doutorado em administração na Fundação Getúlio Vargas, em 1989.

Revista JCM – O senhor, então, não exerceu a profissão de agrônomo? Passou direto para vida acadêmica?
Sim. Somente mais tarde fui me dedicar à agropecuária. Depois que meu pai morreu, nós dividimos as terras e eu tive de cuidar da parte que me coube. Hoje tenho uma fazenda de cria, em Goiás. Em Araras, fiquei com um sítio, onde eu produzia laranjas, mas desisti dessa atividade porque a indústria citrícola me massacrou. Hoje a cadeia produtiva da laranja é a pior que existe, devido à alta concentração. Três grandes empresas acabaram com a vida do citricultor. Tanto que o número de produtores caiu de 18.000 para 12.000. Produzi laranja, gado, e fiz minha vida acadêmica na área de economia rural e desenvolvimento rural. Trabalhei como professor durante 16 anos na Unesp.

Revista JCM - E como começou sua vida pública?
Eu estava fazendo meu doutorado na FGV, em São Paulo, e o Franco Montoro se elegeu governador, em 1982. Meus professores eram o Bresser Pereira, o Eduardo Suplicy, o Guido Mantega, essa turma. E era o começo da redemocratização do País; foi a primeira eleição para governadores. Eu tinha acabado de lançar meu primeiro livro – A questão agrária e a ecologia –, pioneiro em discutir esses dois temas juntos, coisa que eu me esmero em fazer até hoje. Então, fui convidado pelo novo governo a ajudar a montar o Conselho Estadual do Meio Ambiente, representando a secretaria de agricultura. Dentro do grupo que discutia essas questões, eu levava a posição do Secretário. Comecei assim minha vida pública. Depois fui chefe do Gabinete Pessoal do Presidente Fernando Henrique Cardoso e presidente do Incra, em 1995. Um ano depois, tornei-me secretário de agricultura do Estado de São Paulo. Sou a única pessoa a ter sido secretário dessa pasta, no governo Covas (1996-1998), e depois do Meio Ambiente, no governo José Serra (2007-2010). Sempre tive um pé em cada uma dessas canoas. Essa sempre foi a minha luta, minha visão. Não sou nem ruralista, nem ambientalista, sou agroambientalista. Fiquei um bom tempo na administração pública, depois acabei sendo eleito deputado federal.

Revista JCM - E a carreira política, continua?
Não, fui duas vezes deputado (1998-2006), mas me cansei. Sempre fui contra os políticos profissionais, sempre tive medo de me confundirem com um deles. Então, nunca deixei de fazer minhas coisas, escrever, dar aulas, consultorias. Não pretendo voltar, são duas eleições já que não disputo. Hoje, sou comentarista do Canal Terra Viva, articulista do Estadão, faço consultorias e trabalho aqui no Instituto Fernando Henrique Cardoso.

Revista JCM - O senhor tem dito que a discussão sobre o código florestal está contaminada pelo fundamentalismo, pelo extremismo de ambas as partes. Pode explicar melhor isso?
Desde que começou essa discussão há 10 anos, sempre achei que a modernização do código somente aconteceria se nós derrotássemos os radicais. Por que derrotar os radicais? Porque se trata de uma nova lei e isso exige negociação. Além de entender do assunto teórica e conceitualmente, fui deputado. Aprendi lá, na Câmara, que assuntos complexos dessa natureza sempre exigem uma composição, porque ambos os lados têm força para bloquear as votações. Então, os partidos e o governo buscam uma conciliação possível – nunca se resolve 100% dos pontos conflituosos, mas, quando se resolve 80%, já é uma boa lei. Sempre defendi essa posição.
Quando a Câmara dos Deputados apresentou o relatório do Aldo Rebelo, minha avaliação é que o texto ficou muito ruralista e criou uma reação contrária fantástica. O próprio Aldo cometeu o equívoco de agredir os ambientalistas quando apresentou o relatório, dizendo que eles eram paus-mandados do capital internacional. Falou um monte de coisas com as quais absolutamente não concordo e achei totalmente desnecessárias, porque o relator de uma matéria desse tipo, complexa, tem que compatibilizar e ver se consegue chegar a uma posição intermediária. Mas ele claramente tomou um lado. O relatório dele não é tão ruim, mas sua postura foi entendida como contra-ambientalista e a favor dos ruralistas. Portanto, estava na cara que não ia dar certo. O texto foi para o Senado e aconteceu aquilo que poderia ter acontecido na Câmara: o Senado fez um texto que é uma composição.

Revista JCM – O senhor pode dar um exemplo dessa composição?
O que melhor mostra esse esforço negociador do Senado é a questão da recuperação das APPs, Áreas de Preservação Permanente. O código atual diz que o produtor tem de preservar 30 metros de mata às margens dos rios. Nos últimos 50-80 anos, os agricultores foram ocupando essas áreas e não respeitaram nada, salvo exceções. Os ambientalistas dizem que é preciso manter a exigência dos 30 metros e reconstituí-los onde já não existem. Os ruralistas retrucam que essas áreas já estão consolidadas e devem ser mantidas do jeito que estão. O Senado optou pelo meio termo – entre 0 e 30, ficou com a obrigatoriedade de recomposição de 15 metros.

Revista JCM – Essa composição é a única forma de fazer o código sair?
É a única maneira de fazê-lo sair e ser aceito pela sociedade. Temos de encontrar mecanismos para compatibilizar a posição dos ambientalistas com a da agricultura. Em pelo menos 80-90% dos casos, isso é possível. Aqueles pontos que não permitem negociação, são decididos no voto, vence quem tem maioria. Mas o texto do Senado, fruto de um acordo entre vários partidos, com envolvimento do Ministério do Meio Ambiente e de outras forças envolvidas, voltou para a Câmara e os deputados ruralistas acharam que não dava para aceitar os 15 metros. Argumentaram que, no Paraná e em Santa Catarina, onde predomina a pequena agricultura e existem muitos córregos, a recomposição de 15 metros de APPs traria muita perda de área. Então, eles decidiram tirar essa parte do texto, o que pode levar ao veto da presidente Dilma.

Revista JCM – O senhor é favorável à flexibilização das APPs , em função do tamanho da propriedade?
Me parece razoável que as pequenas e médias propriedades sejam tratadas de maneira diferente. As secretarias estaduais de meio ambiente poderiam determinar para quais zonas rurais devem valer os 15 metros ou não, em função das características de cada uma. Porém, o mais importante, é que o código florestal ponha ordem jurídica nessa e em outras matérias. Hoje, a lei é tão confusa que permite que os promotores públicos, em cada comarca, atuem conforme entendam e proponham ações aos juízes e os juízes fiquem perdidos sobre o que se pode ou não fazer. Então, qualquer lei que for aprovada será melhor do que a que nós temos hoje. A que temos hoje é uma coisa que não dá pra cumprir, todo mundo está na ilegalidade.

Revista JCM - Quais pontos nesse projeto o senhor considera positivos?
Por exemplo, a possibilidade de considerar as APPs como parte da reserva da propriedade, que ficou em 20% em todo o Centro-Sul. Também considero positiva a consolidação das áreas que estão sendo plantadas hoje nas encostas com café, nas várzeas com arroz e nas terras de altitude com uva. Essa agricultura não faz mal para o meio ambiente. Acho que o texto vai definir melhor essas questões, vai criar um cadastro ambiental para o campo, o que é muito importante. Esse cadastro será preenchido pelo próprio produtor e as propriedades serão georeferenciadas. Isso vai dar uma boa modernizada no campo, é uma boa possibilidade de se resolver essa pendenga. Devemos fazer com que o agricultor seja ambientalista e não estimular uma oposição entre agricultura e ambientalismo.

Revista JCM – O produtor precisa aprender a preservar?
Sim, precisa ser ensinado, estimulado, ajudado a fazer isso; valorizado quando faz isso. Hoje, o agricultor só leva paulada. Então, cria-se uma animosidade. Nós precisamos puxar os agricultores para o lado bom e não ficar brigando com ele. E os ambientalistas não-radicais estão nessa.

Revista JCM – Concretamente, o que é necessário fazer para que a agricultura e o ambientalismo, que sempre estiveram em choque, caminhem juntos?
Criar uma agenda comum. Em minha opinião, os dois grandes desafios da humanidade hoje – a segurança alimentar e a preservação ambiental – somente serão vencidos se esses temas forem reunidos nas mesmas cabeças. Não se vencerá a crise ambiental reprimindo a produção agrícola, nem será possível garantir comida para o mundo acabando com o resto de biodiversidade que temos. Como fazer isso? Através da tecnologia.

Revista JCM – Qual das duas partes – agricultores e ambientalistas - é mais difícil de atrair para essa agenda comum?
Tacanhos existem em ambos os lados, porém, cada vez mais essa posição, que eu chamo de agroambiental, prevalece. Viajo o Brasil inteiro para falar do tema. Em abril, estive na Zona da Mata, em Minas Gerais, e no congresso da Feira Três Lagoas Florestal, no Mato Grosso do Sul. Aos ambientalistas que eu chamo de tacanhos, os preservacionistas radicais, eu digo: “Olha, não vai dar para alimentar 9 bilhões de pessoas em 2050 apenas fazendo agricultura orgânica. Como vamos resolver isso?” Será necessário ocupar novas áreas, é inevitável, a não ser que se desenvolvam novas formas de produção de proteína, como, por exemplo, comer gafanhotos, besouros. Bem tostadinho, deve ser gostoso, né (risos). Novas tecnologias e processos vão surgir, mas eles terão de adotar conceitos do ambientalismo. Acho isso inexorável. Portanto, o agricultor não pode ficar contra a agenda ambiental. Ele não está acostumado a pegar o touro na unha? Então, tem de pegar esse touro da agenda ambiental e introduzir nas discussões da agricultura. Tem de produzir, mas sem usar correntão, causar erosões ou aplicar agrotóxicos de forma irresponsável nas plantações. Tem de fazer uma agricultura moderna.

Revista JCM – O senhor poderia citar algum exemplo prático de agroambientalismo?
O plantio direto é uma técnica agroambiental. É muito melhor e mais evoluída do que fazer terraços. Quando me formei na Esalq, as únicas práticas conservacionistas existentes eram as curvas de nível. Nem se pensava em plantar sem arar e gradear o solo. Hoje, o comum é fazer assim. Porém, a técnica do plantio direto pressupõe o uso de herbicidas. São herbicidas biodegradáveis, mas continuam sendo produtos químicos. Então, não dá para radicalizar do lado ambiental, porque o plantio direto é algo sensacional do ponto de vista da agenda sustentável, tanto que diminuiu a erosão nos cerrados. Se não fosse o plantio na palha, os cerrados teriam acabado, como as terras roxas de São Paulo e do Paraná, que quase que se acabaram por conta da erosão. Eu acredito na força da tecnologia para vencer esse desafio. Agora você só cria novas tecnologias com novas consciências.

Revista JCM - Voltando ao código, digamos que o texto seja aprovado e sancionado com esse perfil mais equilibrado que o senhor defende, que impacto ele terá sobre o agronegócio?
Em primeiro lugar, o produtor terá regras claras e tranquilidade para trabalhar, o que faz toda a diferença em termos de planejamento, investimentos, etc. Em segundo lugar, haverá maior estímulo para projetos agroambientais. Veremos corredores ecológicos surgirem em todo o território rural do Brasil, protegendo os córregos, as nascentes. Em São Paulo, comecei a monitorar isso, principalmente nas áreas canavieiras, onde os corredores surgiram após cinco ou sete anos de isolamento das APPs antes degradadas. Os satélites já começam a fazer a leitura dessas áreas. Mesmo a olho nu, de avião, é possível ver a paisagem rural se modificar.

Revista JCM – O senhor parte do pressuposto de que os produtores vão recuperar as APPs, que vão cumprir as determinações do novo código.
Sim, não tenho dúvidas. Em regiões onde tem muita braquiária e o solo é fraco, como no Oeste Paulista, a recomposição dessas áreas exigirá o plantio de mudas, o que representa custo maior, mas ela será feita gradativamente. Já em outras regiões, como no Norte, basta interditar a área. Nesses lugares, não é caro recompor as APPs, basta mudar a cerca de lugar, que a mata ciliar em cinco anos fica uma beleza, enche de pássaros, de bichos.

Revista JCM - Não vê nenhuma resistência dos ruralistas depois da aprovação? O novo código não será boicotado?
Não creio. Será um processo lento de adequação, que demorará uns 10-15 anos, mas vai acontecer. Todo mundo quer trabalhar dentro da lei, em paz. Só não ocorrerá da noite para o dia. Construir um quilômetro de cerca para isolar APPs, por exemplo, custa R$ 3.000. Então, os fazendeiros vão fazer as coisas aos poucos.

Revista JCM – Os produtores vão aderir ao cadastro rural? Os Estados têm tentado atraí-los, mas a adesão é baixa.
Quando vier o cadastro nacional e os produtores souberem que ficarão bem na fita ao se cadastrar, vão aderir.

Revista JCM - Eles não ficarão com medo de represálias, já que a maioria das propriedades rurais no País têm passivos ambientais?
Quem teme represálias são os grandes, que sonegam impostos. O agricultor normal não tem medo disso não. Se derem aos produtores a chance de acertar seus passivos, com prazo adequado, porque eles não o fariam? As reservas, eles terão até 30 anos para recuperar. Espero que o governo seja inteligente pra estimular o agricultor a fazer isso e não ameaçá-lo com punições. O governo tem de parar de repressão, precisa ter política de meio ambiente positiva. Não pode somente tratar o produtor na paulada, transformar a questão ambiental em caso de polícia, descer de helicóptero no campo e prender tudo mundo. Também tem de bater palmas para o produtor que faz as coisas direito, dar-lhe um diploma dizendo “o senhor é amigo da natureza”. Precisa encontrar formas de estimulá-lo. Acho que essa década deve ser dedicada à construção de uma agenda agroambiental positiva.

Revista JCM – O senhor está bem otimista?
Estou sim. E sempre tive os pés no chão.

Revista JCM – O que achou da senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, ter sugerido, no Congresso Internacional da Água, que o conceito de reserva legal, vigente no Brasil, seja adotado no resto do mundo?
Uma boa jogada. Uma forma de mostrar às ONGs, muitas delas internacionais como o Greenpace, que muita coisa exigida do Brasil nãoexiste em outros países. Uma tática interessante, inteligente.

Revista JCM - O boi tem sido acusado, nos últimos anos, pelo desmatamento da Amazônia e aumento do efeito-estufa. Como a pecuária brasileira deve se posicionar perante essas críticas?
Acho que o setor precisa ser mais proativo, pegar o touro ambiental à unha. Primeiro, deve fazer a lição de casa, depois mostrar que o boi não é pernicioso como dizem. A agenda da certificação na pecuária é mais atrasada do que no café, nas frutas, na soja. Os frigoríficos fizeram o acordo do boi legal na Amazônia. Essa é a linha – se não pode, não pode. De que adianta ficar brigando? Os pecuaristas precisam fazer contas e botar mais inteligência técnica pra discutir isso ou invés de fugir da discussão. Acho que assim eles vão ganhar. O arroto bovino lança metano para a atmosfera, é verdade, mas o boi arrota porque come capim e o capim, para crescer, retira CO2 da atmosfera. Outra coisa: qual a quantidade de carbono que as matas ciliares existentes nas fazendas armazenam? Será que não compensa o que o boi emite? É preciso entrar nessa discussão. Este é o mundo que nós estamos vivendo. Não adianta dizer que não gosta dessa discussão. Não gosta? Abra o olho, porque o mundo em que estamos é o da certificação.
Tem pecuarista que já está pensando em fazer certificação ambiental. Agora, tem uns ambientalistas bobocas que dizem que o metano da eructação bovina polui mais do que os escapamentos de veículos do mundo. Essa é uma enorme bobagem. Os veganos, que são vegetarianos radicais, dizem que o mundo tem de parar de comer carne para combater o efeito estufa. Isso só interessa a eles que são ideológicos. Vá falar para um chinês ou um brasileiro que começou agora a comer picanha que ele tem de parar de comer carne. A pecuária, por ser fornecedora de um alimento proteico e de grande sabor, tem todo o espaço possível no mundo moderno. E vai caminhar para frente, não para trás. Mas tem de seguir as tendências e não se contrapor a elas.

Revista JCM – Se não fizer isso, o que acontecerá?
Perderá credibilidade, apoio, capacidade de acompanhar as demandas de mercado. Veja a agenda do bem estar animal, por exemplo. Muita gente já começou a perceber que precisa tratar melhor a boiada no curral, treinar melhor seus vaqueiros, parar de tocar gado com ferrão ou usar espora pontiaguda para sangrar os cavalos. A pecuária tem todas as condições para adotar conceitos de bem estar animal, numa boa.

Revista JCM – O senhor afirmou, em um artigo escrito para esta revista, que a cadeia pecuária bovina deveria trabalhar de forma articulada para fazer o marketing da carne. Muito se fala sobre isso, mas ninguém sabe como começar. O senhor teria uma proposta?
Não conheço tão bem a cadeia bovina como outras, mas acho que é preciso começar resolvendo velhos pontos de conflito. Ainda hoje os pecuaristas desconfiam das balanças dos frigoríficos, como na época do meu avô. Tinha de começar por aí. As relações comerciais nesse setor precisam ser mais transparentes, entretanto, as grandes redes frigoríficas não topam isso. Alguns poucos pecuaristas que se acoplam ao esquema recebem vantagens, mas os outros, que ficam à margem, se sentem perdidos.

Revista JCM - Essa falta de transparência seria um dos principais entraves à coordenação da cadeia?
Sim. Ninguém sabe qual o rendimento de carcaça de seus animais. Se o produtor entrega gado de qualidade recebe o mesmo preço do ruim. Não se paga nada pelo couro. É preciso criar uma agenda para eliminar esses pontos de conflito. Só o governo é capaz de fazer isso. Porque são milhares de produtores de um lado e poucos frigoríficos do outro. Nessa hora é que se necessita do poder moderador do Estado. Porque o governo não desempenha esse papel? Um governo que deu bilhões de reais para os frigoríficos deveria chamá-los e dizer – “Se vocês não melhorarem a relação com os produtores, não libero mais recursos”. Essa tarefa mediadora, de propiciar um palco para negociações e entendimentos, é do Estado.

Revista JCM – Que ferramentas poderiam ser usadas para se fazer um bom marketing do boi e da carne?
Desde grandes campanhas em rede nacional como a “Sou Agro”, coordenada pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), em 2011, até mecanismos de comunicação modernos, como as redes sociais. A campanha vegetariana contra a carne nessas redes é muito forte. Basta fazer uma busca para encontrar uma quantidade enorme de falácias e mentiras que denigrem a carne. O setor deveria criar uma central de boas notícias sobre a pecuária bovina. A CNA é uma entidade coorporativa, sindical, mas também poderia ajudar. Os frigoríficos que vendem carne deveriam ajudar, já que têm dinheiro. Em um mundo extremamente competitivo como o nosso, marketing é questão de sobrevivência. Algumas associações já estão fazendo isso. Existem bons projetos de marketing com a raça Angus, por exemplo. O pessoal está se virando para vender seus produtos.
Esse trabalho exige total transparência e não é para cabeças antigas. Há necessidade de se envolver gente jovem no processo, renovar quadros. Na agropecuária, as lideranças estão ficando velhas. Alguns presidentes de sindicatos rurais estão no cargo há 30 anos. Deveria ser proibido alguém se reeleger mais de uma vez. Isso obrigaria as entidades a se renovar, preparar bons sucessores, investir em lideranças jovens, enviá-las para estudar nos Estados Unidos e aprender a falar inglês fluentemente. Isso daria novo fôlego ao setor. Outra coisa: não existe bom marketing em cima de produto inconsistente. Se a decisão da cadeia for promover o boi verde, ele precisa ser verde mesmo, do contrário os irlandeses virão aqui e detonarão nossa carne.

Revista JCM – Ainda estamos muito vulneráveis a esse tipo de lobby?
Infelizmente sim. A cadeia pecuária bovina precisa ser mais proativa e antecipar-se aos ataques futuros. Deve investir em certificação, por exemplo. Não essa rastreabilidade parcial que temos hoje, mas certificação na origem, abrangendo práticas ambientais. Não se exporta mais fruta para a Europa sem Globalgap. A carne está escapando desse rigor maior do consumidor, mas não por muito tempo. Já enfrenta uma série de barreiras não-tarifárias e campanhas difamatórias nojentas, como a dos irlandeses. Mas é assim que funciona o mundo comercial. Para nos defender desses ataques, temos de mostrar que nosso boi não tem nada a ver com o desmatamento da Amazônia, nem usa substâncias proibidas ou está contaminado pelo vírus da febre aftosa. Essa, aliás, é uma tarefa para os frigoríficos, que estão cada vez mais concentrados. Se essa concentração continuar, o problema maior do pecuarista não estará lá fora, mas aqui dentro. Os frigoríficos estão criando um oligopólio muito forte, como na laranja.

Revista JCM – O senhor acha que indústria da carne bovina chegará a um nível de concentração tão grande como o da citricultura?
Talvez não no mesmo nível, mas estou preocupado. Acho que virão anos difíceis. Os frigoríficos estão muito grandes, muito endividados. A pecuária foi bem nos últimos anos, mas agora começou a tropeçar. O fato é que, eu estou percebendo hoje, um arranjo de poder na cadeia produtiva para abaixar o preço da arroba e alguns analistas do setor compram esse discurso. Acho tudo fabricado. Eles ficam dizendo que o cenário está complicado, que o boi vai cair para R$ 80. Por que tem de cair? Porque os frigoríficos querem pagar barato. Podem tranquilamente pagar R$ 100/@ e vender bem o produto lá fora. É o mesmo discurso que as indústrias de suco de laranja faziam há 10 anos para os citricultores. E o que aconteceu? O Brasil hoje produz menos laranja. E o pior é que a concentração no boi foi impulsionada pelo governo. Preocupa-me muito o apoio que o governo deu para os dois maiores frigoríficos do País, por meio do BNDES. Se a concentração continuar, o setor deixará de ser sustentável, do ponto de vista econômico e social.

Revista JCM - Qual é seu conceito de sustentabilidade?
Para mim, ser sustentável é não emitir notas promissórias contra o futuro. É fazer hoje processos de produção que possam perpetuar-se, por serem positivos e favoráveis à civilização humana. Não adianta você pensar em processos de produção viáveis agora, mas que, no longo prazo, tornam-se contaminantes, devastadores. Meus filhos estão pagando o pato das coisas erradas que a geração dos meus pais fez. A poluição dos rios pelas cidades foi uma coisa nojenta. Quem matou os rios foram as cidades, não o campo.

Revista JCM – O termo sustentabilidade não está se banalizando muito?
Sim. Virou uma espécie de manta, palavra mágica. Mas, ao mesmo tempo, está fazendo parte da rotina das pessoas, das companhias. Todas querem ser sustentáveis, faz bem para a imagem. A coca-cola lançou uma embalagem produzida com plástico reciclável, que amassa, e já tem 20% de polímeros a base de vegetais. Então, a coca-cola está querendo ser sustentável, essa embalagem é muito melhor do que a outra. Isso é ótimo para o planeta e ações assim devem ser estimuladas.

Revista JCM - E a Rio-20, o que senhor espera dessa conferência?
A Rio-20 virou um X-tudo. Não vai acontecer nada lá. Eu gostaria que se discutisse mais a questão dos limites do planeta, a questão ambiental. Mas os negros, os povos oprimidos, os índios querem resolver suas injustiças. O foco será contra a pobreza, a favor da promoção humana, da questão agrária, de tudo. Legal, mas o problema hoje é o seguinte: nós estamos ou não ultrapassando os limites do planeta? O que fazer até 2050 para reverter isso? Qual é o limite dessa pegada ecológica? A agenda do País na conferência está cheia de terceiromundismo atrasado. O foco da Rio+20 se perdeu. Como a sustentabilidade tem um pé social, temos de combater a pobreza. Mas eu acho que deveria haver uma preponderância da questão ambiental nas discussões, porque, se o ambiente se tornar inviável, afetará todo o resto.

Revista JCM – O senhor acha que estamos caminhando realmente para uma catástrofe ambiental? Tem gente que questiona essa questão do aquecimento do planeta.
Meu avô morreu negando que o homem foi à lua. Mas o homem foi à lua. As pessoas são incrédulas. Pode haver divergências sobre a contribuição humana nesse processo ou sobre os fatores que o geraram, mas que o planeta está se modificando está. Ele sobreviverá; quem está em perigo somos nós, a civilização. Os chineses querem comprar carro, os indianos também. Eles vão manter nosso padrão de consumo? Faça as contas, com mais um bilhão de veículos soltando fumaça por aí, o que vai ser da atmosfera. Deveríamos discutir uma governança global, uma ONU ambiental. Acho que vamos nos livrar do problema, mas precisa haver uma intervenção nesse processo, mundialmente falando. O mundo do petróleo ainda é muito forte, manda muito. Então, é preciso ter processos mais globais influenciando a agenda, para enquadrar os Estados Unidos, por exemplo. É preciso ter um braço ambiental da ONU, com uma força maior, para dizer: “Olha, precisamos fazer alguma coisa agora, porque em 2100 vai estar complicado”.
Tem muita ação ambiental positiva no mundo. Mas, o que não percebemos ainda é que o aquecimento, cujos efeitos serão sentidos de fato em 2100, prejudicará mais as zonas tropicais. Países nórdicos vão se beneficiar do aquecimento. Já se está produzindo grãos, hoje, em áreas que sempre estiveram geladas no Alasca. O Brasil deviria ser o líder da agenda ambientalista mundial, deveria se preparar para as transformações previstas para daqui a 20- 30 anos. Mas não está propriamente pensando nisso.



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